Crónicas

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Memórias do primeiro dia de escola

Memórias do primeiro dia de escola

Esta semana, nas grandes arrumações para a mudança de casa, encontrei a lapiseira que o meu pai me ofereceu para o primeiro dia de escola. Façamos as contas: foi há 35 anos, por esta altura.

Mostrei ao meu filho Afonso que perguntou:
“- Ainda escreve?”.
“- Claro que sim”, respondi-lhe. As coisas podem durar uma vida, pensei, enquanto reunia a quantidade de cabos eletrónicos e brinquedos que não duraram mais de seis meses.
Gosto muito pouco daquela expressão “no meu tempo é que era”. Ainda que caia muitas vezes na tentação de a dizer basta que pense no quanto detestaria se fosse a minha a usá-la.
Queria apenas ensinar aos meus filhos que há mesmo coisas que duram uma vida. Temos que tratar com cuidado, gostar igual mesmo quando já não é novidade, guardar em lugares especiais e não esquecer onde estão.
A lapiseira tem 35 anos e, por acaso, está ali. Tenho-a transportado em cada mudança. Mas podia já não existir que a lembrança daquele dia estaria comigo.
O primeiro dia de aulas é um dia marcante, para os pais que veem os filhos darem este passo e para as crianças, que entram neste universo desconhecido, onde há colegas, salas de aulas e professores. Cada um guarda as suas memórias, doces e amargas, tudo ao mesmo tempo.
Um dia, na minha conta de instagram (@catarina_beato_ ) lancei o desafio: pedi aos crescidos que me recordassem o primeiro dia de aulas. Recebi respostas muito bonitas: houve choro, houve curiosidade, houve surpresas. Há quem guarde os cheiros, os pais, os lanches, as sensações, os amigos.
“Fui feliz e contente. Só via crianças a berrar e não percebia. Estava excitadíssima por ir aprender mais coisas. Fiquei a melhor amiga da criança mais birrenta. Dei-lhe a mão e disse ‘anda, quando o ponteiro do teu relógio estiver aqui – mostrei o meu relógio, a tua mãe vem. Dei um abraço à professora Amélia (ainda hoje a abraço) e fui pintar um pintainho verde esmeralda.”
“Nunca estive na creche ou jardim de infância. Lembro-me do espanto e da sensação de novidade e de pensar que agora ia aprender imensas coisas. No primeiro dia de aulas da primeira classe era só apresentação. No final a professora Ermelinda pergunta se alguém tinha dúvidas e eu perguntei porque é que o mar era salgado.”
Também recebi respostas cheias de lágrimas e terror. Aliás, avisei mesmo que não eram aconselhadas a pais com miúdos pequenos a irem para a escola pela primeira vez.
Eu lembro-me de um dossier preto enorme que a minha mãe carregou até à entrada da escola porque não o conseguia carregar. Lembro-me de ter medo do pico (que vinha com a esponja para os picotados). Lembro-me do cheiro a pó talco da minha professora. Do choro de um colega meu que ficou a brincar com uns bonecos “índios”. Lembro-me de estar fascinada e assustada.
A mão firme e suave da minha mãe quando me foi levar. O sorriso do meu pai quando me foi buscar. E os amigos que duram há tanto tempo como aquela lapiseira.
Na verdade, aquilo que queremos que dure uma vida nem sequer são os objetos. São as memórias. Do primeiro dia de escola e de todos os outros.

 

Catarina Beato
Autora do blog Dias de uma Princesa
instagram: @catarina_beato_

Publicado em 8 Out. 2019 às 11:08

Esta semana, nas grandes arrumações para a mudança de casa, encontrei a lapiseira que o meu pai me ofereceu para o primeiro dia de escola. Façamos as contas: foi há 35 anos, por esta altura.

Mostrei ao meu filho Afonso que perguntou:
“- Ainda escreve?”.
“- Claro que sim”, respondi-lhe. As coisas podem durar uma vida, pensei, enquanto reunia a quantidade de cabos eletrónicos e brinquedos que não duraram mais de seis meses.
Gosto muito pouco daquela expressão “no meu tempo é que era”. Ainda que caia muitas vezes na tentação de a dizer basta que pense no quanto detestaria se fosse a minha a usá-la.
Queria apenas ensinar aos meus filhos que há mesmo coisas que duram uma vida. Temos que tratar com cuidado, gostar igual mesmo quando já não é novidade, guardar em lugares especiais e não esquecer onde estão.
A lapiseira tem 35 anos e, por acaso, está ali. Tenho-a transportado em cada mudança. Mas podia já não existir que a lembrança daquele dia estaria comigo.
O primeiro dia de aulas é um dia marcante, para os pais que veem os filhos darem este passo e para as crianças, que entram neste universo desconhecido, onde há colegas, salas de aulas e professores. Cada um guarda as suas memórias, doces e amargas, tudo ao mesmo tempo.
Um dia, na minha conta de instagram (@catarina_beato_ ) lancei o desafio: pedi aos crescidos que me recordassem o primeiro dia de aulas. Recebi respostas muito bonitas: houve choro, houve curiosidade, houve surpresas. Há quem guarde os cheiros, os pais, os lanches, as sensações, os amigos.
“Fui feliz e contente. Só via crianças a berrar e não percebia. Estava excitadíssima por ir aprender mais coisas. Fiquei a melhor amiga da criança mais birrenta. Dei-lhe a mão e disse ‘anda, quando o ponteiro do teu relógio estiver aqui – mostrei o meu relógio, a tua mãe vem. Dei um abraço à professora Amélia (ainda hoje a abraço) e fui pintar um pintainho verde esmeralda.”
“Nunca estive na creche ou jardim de infância. Lembro-me do espanto e da sensação de novidade e de pensar que agora ia aprender imensas coisas. No primeiro dia de aulas da primeira classe era só apresentação. No final a professora Ermelinda pergunta se alguém tinha dúvidas e eu perguntei porque é que o mar era salgado.”
Também recebi respostas cheias de lágrimas e terror. Aliás, avisei mesmo que não eram aconselhadas a pais com miúdos pequenos a irem para a escola pela primeira vez.
Eu lembro-me de um dossier preto enorme que a minha mãe carregou até à entrada da escola porque não o conseguia carregar. Lembro-me de ter medo do pico (que vinha com a esponja para os picotados). Lembro-me do cheiro a pó talco da minha professora. Do choro de um colega meu que ficou a brincar com uns bonecos “índios”. Lembro-me de estar fascinada e assustada.
A mão firme e suave da minha mãe quando me foi levar. O sorriso do meu pai quando me foi buscar. E os amigos que duram há tanto tempo como aquela lapiseira.
Na verdade, aquilo que queremos que dure uma vida nem sequer são os objetos. São as memórias. Do primeiro dia de escola e de todos os outros.

 

Catarina Beato
Autora do blog Dias de uma Princesa
instagram: @catarina_beato_

11:08