Crónicas

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As (minhas) primeiras férias a quatro

As (minhas) primeiras férias a quatro

De manhã uma hora na cozinha a preparar almoços, lanches e snacks para levar para a praia. À noite, mais uma hora a fazer o jantar. E mesmo assim, as melhores férias. As primeiras a quatro.

Todos os dias o trolley ia cheio. Toalhas. Protetores solares. Brinquedos. Jornais, revistas e livros. Fatos de banho suplentes. Garrafas de água. Malas térmicas com as saladas dos crescidos, a massa da mais velha, a sopa da pequenita, os iogurtes, muita fruta (descascada, cortada ou em puré). Sandes, bolachas e cenoura em palitos.
E lá íamos nós para a praia. Nos chapéus de sol ao lado, cenários semelhantes. Crianças a pedir insistentemente para ir ao mar. Depois, a regressarem de lábios roxos e a tremer de frio. Os pais a embrulhá-las nas toalhas e a pensar que vão ter um quarto de hora de descanso. Pensamos, mas pensámos mal. “Oh mãe…” Já agora, porque é que não sabem chamar a mãe sem dizer oh antes? Querem água ou comida ou um brinquedo que não encontram mas que também não procuraram ou ir à casa de banho. E quando ainda não falam, guincham e choramingam até nos roubar a atenção. E lá nos levantamos, pomos o marcador no livro, esquecemos a leitura e acorremos aos seus pedidos.
As férias acabam invariavelmente por não ser o que tínhamos planeado. Não consegui ler o livro que levei, não pintei os livros de colorir, não vi os filmes que tínhamos passado para o disco, não consegui estar mais do que dez minutos sentada na varanda sem fazer nada e nem sequer consegui treinar as tranças que tinha prometido à mais velha. E no entanto cheguei ao fim das férias feliz. Verdadeiramente feliz. E quando falo das minhas primeiras férias a quatro sinto o sorriso iluminar-me a cara.
Filha única, tive pela primeira vez a experiência da partilha. De partilhar a minha atenção e o meu carinho pelas duas, além claro da minha paciência. Mas sobretudo de ver a partilha delas. E embora essa cumplicidade de irmãs seja tão recente parece que as raízes são tão profundas como as das árvores da avenida. A forma como se olham, os saltinhos que a mais nova dá quando a mais velha chega do mar ou as intermináveis conversas que a mais velha mantém com a mais nova, mesmo que a irmã não lhe diga nada em troca nem dê sinais de que a está a entender. De repente tenho ao meu redor a velhinha expressão ‘casa cheia’. O que escasseia de silêncio e tranquilidade, sobra de gargalhadas, cantigas e também algumas reprimendas porque tanta excitação traduz-se muitas vezes em disparates.
Quando as vejo sorrirem uma para a outra é como se o meu mundo parasse e não houvesse horas nem para banhos, nem para refeições, nem para qualquer outra tarefa que a responsabilidade insiste em impor aos adultos. Mergulho no mundinho delas e o tempo pára. Como se não houvesse relógios.
E para mim as férias sempre foram isso e agora ainda mais: perder a noção do tempo.

Rita Rodrigues
Jornalista da TVI

Publicado em 27 Set. 2017 às 23:21

De manhã uma hora na cozinha a preparar almoços, lanches e snacks para levar para a praia. À noite, mais uma hora a fazer o jantar. E mesmo assim, as melhores férias. As primeiras a quatro.

Todos os dias o trolley ia cheio. Toalhas. Protetores solares. Brinquedos. Jornais, revistas e livros. Fatos de banho suplentes. Garrafas de água. Malas térmicas com as saladas dos crescidos, a massa da mais velha, a sopa da pequenita, os iogurtes, muita fruta (descascada, cortada ou em puré). Sandes, bolachas e cenoura em palitos.
E lá íamos nós para a praia. Nos chapéus de sol ao lado, cenários semelhantes. Crianças a pedir insistentemente para ir ao mar. Depois, a regressarem de lábios roxos e a tremer de frio. Os pais a embrulhá-las nas toalhas e a pensar que vão ter um quarto de hora de descanso. Pensamos, mas pensámos mal. “Oh mãe…” Já agora, porque é que não sabem chamar a mãe sem dizer oh antes? Querem água ou comida ou um brinquedo que não encontram mas que também não procuraram ou ir à casa de banho. E quando ainda não falam, guincham e choramingam até nos roubar a atenção. E lá nos levantamos, pomos o marcador no livro, esquecemos a leitura e acorremos aos seus pedidos.
As férias acabam invariavelmente por não ser o que tínhamos planeado. Não consegui ler o livro que levei, não pintei os livros de colorir, não vi os filmes que tínhamos passado para o disco, não consegui estar mais do que dez minutos sentada na varanda sem fazer nada e nem sequer consegui treinar as tranças que tinha prometido à mais velha. E no entanto cheguei ao fim das férias feliz. Verdadeiramente feliz. E quando falo das minhas primeiras férias a quatro sinto o sorriso iluminar-me a cara.
Filha única, tive pela primeira vez a experiência da partilha. De partilhar a minha atenção e o meu carinho pelas duas, além claro da minha paciência. Mas sobretudo de ver a partilha delas. E embora essa cumplicidade de irmãs seja tão recente parece que as raízes são tão profundas como as das árvores da avenida. A forma como se olham, os saltinhos que a mais nova dá quando a mais velha chega do mar ou as intermináveis conversas que a mais velha mantém com a mais nova, mesmo que a irmã não lhe diga nada em troca nem dê sinais de que a está a entender. De repente tenho ao meu redor a velhinha expressão ‘casa cheia’. O que escasseia de silêncio e tranquilidade, sobra de gargalhadas, cantigas e também algumas reprimendas porque tanta excitação traduz-se muitas vezes em disparates.
Quando as vejo sorrirem uma para a outra é como se o meu mundo parasse e não houvesse horas nem para banhos, nem para refeições, nem para qualquer outra tarefa que a responsabilidade insiste em impor aos adultos. Mergulho no mundinho delas e o tempo pára. Como se não houvesse relógios.
E para mim as férias sempre foram isso e agora ainda mais: perder a noção do tempo.

Rita Rodrigues
Jornalista da TVI

23:21