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Não vamos para novos

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Nem nós, nem eles e por isso mais vale fazermos as coisas juntos.

As crianças sabem que a vida demora muito a passar quando não a estamos a apreciar particularmente. Por vezes gostar dos pais ou dos miúdos é difícil e complicado. Estaremos a fazer a coisa certa? Qual é a coisa certa?
Há um tempo que ficará para sempre nebuloso na nossa memória. Hoje já poucos imprimem fotografias, achamos que um dia o vamos fazer, que as que estão no telefone servem. E depois, não nos lembraremos se foi no quinto ou no sexto aniversário ou se aquele é o mais velho ou o mais novo e se aquela bicicleta era deles ou dos primos. Mas pode haver outro tempo que fica muito concreto e particular, assim saibamos persegui-lo.
Os mais velhos já sabem que no futuro será assim: quanto mais não nos ligarem, melhor. Parece impossível, mas aqueles abracinhos a chegar a casa e os beijinhos sumarentos vão acabar. Ainda bem, porque é sinal que cresceram e treparam à vida, estão menos em casa, porque estão ocupados a ser felizes noutro sítio qualquer. Os pais sabem se os virem contentes, excitados e entusiasmados com a nova coisa mais importante do mundo nessa semana, será o melhor sinal que podem pedir à tal vida que demorava muito a passar quando não a estávamos a apreciar particularmente. Eles, crescidos, só estarão excitados e entusiasmados com a nova coisa mais importante do mundo nessa semana.
É possível e provável vir a sentir a falta de otites, narizes entupidos, tosses de ruído enervante, manias infantis, ciúmes, raivinhas, casacos pelo chão, sapatos perdidos, unhas difíceis de cortar, filas na farmácia num domingo ao fim da tarde, brinquedos que precisam de instruções e da chave de fendas que nunca está à mão. Deixemos isso para depois.
No entretanto, vale a pena fazer um plano e começar a levá-los para onde não querem ir. Ou eles pedirem. Filminhos, teatrinhos, cirquinhos, marionetezinhas, alguém os levará, alguém lhes segurará no casaco e lhes trará água para beber. Toda a gente sabe que coisas para crescidos é o que realmente todos querem, porque não meter mãos à obra? Museus chatos, monumentos chatos, cidades chatas, coisas de adultos, estátuas de pedras incompreensíveis, pinturas bizarras, praças sem baloiços. Praias estranhas, sem kids club e muito menos atividades. Florestas com ar verdadeiro, animais e bicharada avulsa sem tomadas para carregar o tablet. Se eles vão crescer, mais vale levarem já com o mundo. Vai sendo tempo de os pais informarem o universo que não são apenas cuidadores dos filhos, mas que são gente que quer fazer coisas de gente. Os filhos sabem-no e filhos que têm pais que são gente são de certeza filhos com mais qualquer coisa. Além disso, o segredo disto tudo é ter memórias para partilhar, lembrando sempre que a vida demora muito a passar quando não a estamos a apreciar particularmente. Se neste preciso instante for o caso, é roubar uma batata frita e rir-se às custas deles. Pais ou filhos, ninguém é perfeito felizmente.

 

Pedro Boucherie Mendes
Jornalista – Diretor canais temáticos SIC

 

Publicado em 12 Fev. 2018 às 12:24

Nem nós, nem eles e por isso mais vale fazermos as coisas juntos.

As crianças sabem que a vida demora muito a passar quando não a estamos a apreciar particularmente. Por vezes gostar dos pais ou dos miúdos é difícil e complicado. Estaremos a fazer a coisa certa? Qual é a coisa certa?
Há um tempo que ficará para sempre nebuloso na nossa memória. Hoje já poucos imprimem fotografias, achamos que um dia o vamos fazer, que as que estão no telefone servem. E depois, não nos lembraremos se foi no quinto ou no sexto aniversário ou se aquele é o mais velho ou o mais novo e se aquela bicicleta era deles ou dos primos. Mas pode haver outro tempo que fica muito concreto e particular, assim saibamos persegui-lo.
Os mais velhos já sabem que no futuro será assim: quanto mais não nos ligarem, melhor. Parece impossível, mas aqueles abracinhos a chegar a casa e os beijinhos sumarentos vão acabar. Ainda bem, porque é sinal que cresceram e treparam à vida, estão menos em casa, porque estão ocupados a ser felizes noutro sítio qualquer. Os pais sabem se os virem contentes, excitados e entusiasmados com a nova coisa mais importante do mundo nessa semana, será o melhor sinal que podem pedir à tal vida que demorava muito a passar quando não a estávamos a apreciar particularmente. Eles, crescidos, só estarão excitados e entusiasmados com a nova coisa mais importante do mundo nessa semana.
É possível e provável vir a sentir a falta de otites, narizes entupidos, tosses de ruído enervante, manias infantis, ciúmes, raivinhas, casacos pelo chão, sapatos perdidos, unhas difíceis de cortar, filas na farmácia num domingo ao fim da tarde, brinquedos que precisam de instruções e da chave de fendas que nunca está à mão. Deixemos isso para depois.
No entretanto, vale a pena fazer um plano e começar a levá-los para onde não querem ir. Ou eles pedirem. Filminhos, teatrinhos, cirquinhos, marionetezinhas, alguém os levará, alguém lhes segurará no casaco e lhes trará água para beber. Toda a gente sabe que coisas para crescidos é o que realmente todos querem, porque não meter mãos à obra? Museus chatos, monumentos chatos, cidades chatas, coisas de adultos, estátuas de pedras incompreensíveis, pinturas bizarras, praças sem baloiços. Praias estranhas, sem kids club e muito menos atividades. Florestas com ar verdadeiro, animais e bicharada avulsa sem tomadas para carregar o tablet. Se eles vão crescer, mais vale levarem já com o mundo. Vai sendo tempo de os pais informarem o universo que não são apenas cuidadores dos filhos, mas que são gente que quer fazer coisas de gente. Os filhos sabem-no e filhos que têm pais que são gente são de certeza filhos com mais qualquer coisa. Além disso, o segredo disto tudo é ter memórias para partilhar, lembrando sempre que a vida demora muito a passar quando não a estamos a apreciar particularmente. Se neste preciso instante for o caso, é roubar uma batata frita e rir-se às custas deles. Pais ou filhos, ninguém é perfeito felizmente.

 

Pedro Boucherie Mendes
Jornalista – Diretor canais temáticos SIC

 

12:24